Devem as empresas ricas
mas deficitárias
ser liquidadas?

um artigo por Ben Graham

Devem as empresas ricas mas deficitárias ser liquidadas?

um artigo por Ben Graham

26/04/2020

Tempo de leitura: 6 minutos

Pode encontrar a versão original deste artigo AQUI.

Concluimos o mês do Ben Graham aqui no All in Stocks com o último dos seus 3 artigos sob o tema “Será que as empresas americanas valem mais mortas do que vivas?“., 

Ben Graham demonstra-se, mais uma vez, um profundo pensador sobre a essência da compra e posse de ações como propriedade de uma empresa. 

Neste terceiro artigo centra-se na questão da liquidação de empresas que apresentavam prejuízos durante a Grande Depressão mas que, se liquidadas, podiam trazer muito dinheiro aos seus proprietários. Graham destrinça o papel das equipas de gestão, dos administradores e dos acionistas e lembra que os acionistas são proprietários de um negócio que, no limite, deve servir as suas vontades e necessidades. 

Se por um lado os acionistas não têm controlo direto sobre o dia-a-dia das suas empresas, têm-no sobre a decisão de manter ou liquidar essas mesmas empresas. Não deveriam então ser eles a decidir?

Devem as empresas ricas mas deficitárias ser liquidadas?

por Benjamin Graham, Julho 1, 1932, Forbes magazine

O espectáculo sem precedentes confronta-nos com uma situação em que mais do que uma em cada três empresas industriais está a ser vendida abaixo dos seus activos correntes líquidos, com um grande número delas cotado abaixo do dinheiro que têm em caixa. Para esta situação temos apontado, nos nossos artigos anteriores, três causas possíveis: (a) Ignorância dos factos; (b) Compulsão à venda e impossibilidade de compra; (c) A falta de vontade de comprar baseada no receio de que os actuais activos líquidos sejam dissipados.

 

Nos artigos anteriores Tesourarias Enriquecidas e Acionistas Empobrecidos  e Devem as empresas ricas devolver o dinheiro aos acionistas?  discutimos as duas primeiras causas e as suas inúmeras implicações. Mas nem a ignorância nem os problemas financeiros do público poderiam explicar na sua totalidade os níveis de mercado atuais.

 

Se dólares de ouro sem nenhumas condições (tradução de “without any strings attached”) pudessem realmente ser comprados por 50 cêntimos, muita publicidade e muito poder de compra seriam redireccionados rapidamente para tirar vantagem da dita pechincha. Dólares de ouro estão agora disponíveis em grandes quantidades por 50 cêntimos ou menos, mas eles vêm com condições. Embora pertençam ao acionista, ele não os controla. Ele pode ter que sentar-se e vê-los diminuir e desaparecer à medida que as perdas operacionais forem continuando. Por esta razão, o público recusa-se a aceitar até mesmo as participações em dinheiro vivo das empresas pelo seu valor nominal.

 

Na verdade, o leitor menos sensível pode muito bem perguntar impacientemente: “Porquê toda essa conversa sobre valores de liquidação, quando as empresas não vão ser liquidadas? No que diz respeito aos accionistas, o seu direito à caixa da empresa é tão teórico como o seu direito às suas fábricas. Se o negócio fosse liquidado, os acionistas receberiam o dinheiro; se a empresa fosse rentável, as fábricas valeriam o seu valor contabilístico. “Se tivéssemos fiambre, etc., etc.”

 

Esta crítica tem força, mas há uma resposta para ela. Os acionistas não têm em seu poder tornar um negócio rentável, mas eles têm o poder para liquidá-lo. No fundo, esta não é de forma alguma uma questão teórica; A questão é ao mesmo tempo muito prática e muito premente.

 

É também muito controversa. Inclui um indubitável conflito de julgamento entre os gestores da empresa e o mercado de ações, e um provável conflito de interesses entre os gestores da empresa e os seus acionistas.

 

Nos seus termos mais simples, a questão resume-se a isto: Estarão esses gestores errados ou é o mercado que está errado? Estes preços baixos são apenas o produto de um medo irracional, ou transmitem um aviso severo para liquidar enquanto ainda há tempo?

 

Hoje, os acionistas estão a deixar a resposta a este problema, como a todos os outros problemas da empresa, nas mãos dos seus gestores. Mas quando o julgamento dos gestores é violentamente contestado pelo veredicto do mercado, parece infantil deixar a gestão decidir se ela mesma ou o mercado está certo. Isto é especialmente verdade quando a questão envolve um forte conflito de interesses entre os funcionários que recebem salários da empresa e os proprietários cujo capital está em jogo. Se o leitor tivesse uma mercearia que não estava a dar dinheiro, não iria deixar que fosse o gerente (pago) a decidir se se devia continuar a operar o negócio ou se se devia fechar a loja.

 

O desamparo inato do público diante deste problema crítico é agravado pela aceitação de duas doutrinas perniciosas no campo da administração empresarial. A primeira é que os administradores não têm qualquer responsabilidade ou interesse no preço de mercado dos seus valores mobiliários. A segunda é que os acionistas externos não sabem nada sobre o negócio, e, portanto, as suas opiniões não merecem consideração, a menos que partilhadas pela gestão.

 

Em virtude da doutrina número um, os administradores conseguem escapar a todas as questões relacionadas com o preço da sua ação. O princípio número dois é invocado, para grande vantagem dos gestores, com o intuito de esmagar qualquer acionista (sem controlo) que é destemido o suficiente para sugerir que os que estão a comandar o negócio podem não estar a proceder com sabedoria ou no melhor interesse dos seus empregadores. Os dois juntos oferecem aos gestores a protecção perfeita contra a necessidade de justificar aos seus acionistas a continuidade do negócio quando a sensatez aponta para melhores resultados para os proprietários através da liquidação.

 

A noção de que os administradores não se preocupam com o preço de mercado das suas acções é tão falaciosa quanto hipócrita. Escusado será dizer que os gestores não são responsáveis pelas flutuações do mercado, mas devem tomar conhecimento de níveis de preços excessivamente elevados ou excessivamente baixos das acções. Eles têm o dever de proteger os seus accionistas da depreciação evitável do valor de mercado – na medida do razoável –  na mesma forma que têm o dever de protegê-los contra perdas evitáveis de lucros ou ativos. 

 

Se este direito fosse admitido e se se insistisse nele, a actual e absurda relação entre as cotações e os valores de liquidação nunca teria existido. Administradores e acionistas reconheceriam que o verdadeiro valor das suas ações não deve, em circunstância alguma, ser inferior ao valor realizável do negócio, que por sua vez não deveria ser inferior aos activos líquidos rápidos.

 

Eles reconheceriam ainda que, se a empresa não vale o seu valor realizável enquanto negócio em funcionamento, ela deve ser liquidada. Por último, os administradores reconheceriam a sua responsabilidade em conservar o valor realizável da empresa e de impedir, na medida do razoável, o estabelecimento de um nível de preços substancialmente inferior ao valor razoável.

 

Assim, em vez de ver com indiferença filosófica o colapso das suas ações a níveis abismalmente baixos, os administradores tomariam esses declínios como um desafio para atuarem. 

 

Em primeiro lugar, fariam todos os esforços para manter um dividendo, pelo menos proporcional ao valor real mínimo da ação. Para este efeito, utilizariam livremente o excedente acumulado, desde que a posição financeira da empresa permanecesse inalterada. Em segundo lugar, não hesitariam em chamar a atenção dos accionistas para a existência de valores mínimos de liquidação superiores ao preço de mercado e em afirmar a sua confiança na realidade desses valores. Em terceiro lugar, sempre que possível, ajudariam os accionistas devolvendo-lhes o capital excedentário através da recompra de ações proporcionalmente à participação de cada acionista, a um preço justo, como defendido no nosso artigo anterior.

 

Por último, estudariam cuidadosamente a situação e as perspectivas da empresa, a fim de garantir que o valor realizável das acções não sofreria uma redução substancial. Se entendessem que haveria perigo de graves perdas futuras, pensariam seriamente na questão de se o interesse dos acionistas pode ou não ser melhor servido por venda ou liquidação.

 

Por muito que o mercado bolsista possa afirmar, forçosamente, que é desejável a liquidação, não há sinais de que as administrações estejam a considerar seriamente a questão. De facto, a raridade da liquidação voluntária por parte de empresas com uma base acionista diversificada pode muito bem ser motivo de admiração ou de cinismo. No caso das empresas privadas, a liquidação de negócios é uma ocorrência diária. Mas com empresas cujas ações estão amplamente dispersas, é o mais raro dos acontecimentos empresariais.

 

A liquidação após a insolvência é, naturalmente, mais frequente, mas a ideia de fechar a loja antes do xerife entrar parece repugnante para os cânones de Wall Street. Uma coisa pode ser dita dos nossos gestores: eles não são desistentes. Como Josh Billings, que por zelo patriótico estava pronto para sacrificar todas as relações da sua esposa (?), os funcionários estão dispostos a sacrificar o último dólar dos seus acionistas para manter as empresa a funcionar.

 

Mas não é verdade que os funcionários pagos estão sujeitos às decisões do conselho de administração, que representam os acionistas, e cujo dever é defender os interesses dos proprietários, se necessário, contra os interesses da gestão operacional? Em teoria, nada poderia ser mais acertado, mas na prática não é assim que funciona.

 

As razões surgirão do estudo de qualquer equipa de gestão típica: Nelas encontraremos: (a) Os próprios funcionários pagos, que estão interessados, em primeiro lugar, nos seus empregos e só depois nos acionistas; (b) Banqueiros de investimento, cujo principal interesse são os lucros; (c) Banqueiros comerciais, cujo principal interesse é a concessão e a protecção de empréstimos; (d) Pessoas singulares que negoceiam de várias formas com a empresa; e finalmente, e quase sempre numa minoria escassa-(e) Administradores que estão interessados no bem-estar dos acionistas.

 

Mas até mesmo estes últimos estão geralmente ligados por laços de amizade com os gestores (que é exatamente a forma como eles vieram a ser nomeados), de modo que toda a atmosfera de uma reunião do conselho de administração não é propícia à afirmação dos direitos dos acionistas contra os desejos da equipa de gestão. Os administradores não são desonestos, mas são humanos. O autor, sendo ele próprio um membro de vários conselhos, sabe algo sobre este assunto, fruto da sua experiência pessoal.

 

A conclusão a que se chega é que a liquidação é uma questão dos acionistas. Não só deve ser decidido pelo seu juízo independente, mas na maioria dos casos a iniciativa e pressão para executar a liquidação deve emanar dos acionistas que não estão no conselho de administração. Neste contexto, consideramos que o reconhecimento do seguinte princípio seria extremamente útil:

 

O facto das acções de uma sociedade serem vendidas persistentemente abaixo do seu valor de liquidação deveria levantar a questão de saber se a liquidação é aconselhável.

 

Por favor, note que não sugerimos que o baixo preço prova a conveniência da liquidação. Ele apenas justifica o levantar da questão por parte dos acionistas e dá direito a que as suas opiniões recebam a devida atenção.

 

Isto significa que os acionistas devem considerar a questão com uma mente aberta e decidir com base nos factos apresentados e de acordo com a seu melhor juízo. Sem dúvida, em muitos destes casos, talvez uma maioria, um estudo imparcial mostraria que a liquidação é injustificada. O valor do negócio em funcionamento, em condições normais, seria considerado tão elevado, em comparação com o montante realizável em liquidação, que justificaria aguentar a presente depressão, apesar dos prejuízos correntes.

 

No entanto, é concebível que, nas actuais difíceis condições, os proprietários de um grande número de empresas possam concluir que se sairiam melhor se as liquidassem do que se continuassem. Qual seria o significado de tal movimento para a situação económica como um todo? Significaria mais deflação, mais desemprego, maior redução do poder de compra? Superficialmente pode parecer que sim, mas fortes argumentos contrários podem ser levantados. 

 

A operação de empresas fracas pode ser apelidada de desvantagem, em vez de vantagem, para a nação. Sofremos não só de excesso de capacidade, mas ainda mais da concorrência perturbadora de empresas que não têm hipótese de sobreviver, mas que continuam a existir, devido à perda dos seus accionistas e à instabilidade da sua indústria.

 

Sem terem lucro para si próprias, destroem as possibilidades de lucro de outras empresas. A sua remoção poderia permitir um melhor ajuste da oferta e procura e uma maior produção que levaria a custos mais baixos para as empresas mais fortes. Estão a ser realizados esforços neste momento na indústria de produtos de algodão para atingir este resultado.

 

Do ponto de vista do emprego, a procura do produto não é reduzida pelo encerramento de unidades não rentáveis. Assim, a produção é transferida para outro local e o emprego no agregado pode ser mantido. A grande dificuldade individual não pode ser negada, nem deve ser minimizada, mas em qualquer caso, as condições de emprego numa empresa fundamentalmente instável só pode ser precária. Admitindo que os trabalhadores devem ser tidos em conta, deve ser salientado que os nossos princípios económicos não incluem a destruição de capital dos acionistas com o único propósito de proporcionar emprego.

 

Ainda não encontrámos nenhuma maneira de impedir que a depressão nos atrapalhe no meio da nossa superabundância. Mas indubitavelmente existem formas de aliviar o peso dos acionistas que nos dias que correm têm grandes posses mas que podem realizar tão pouco. Um novo e fresco ponto de vista sobre estes assuntos pode fazer maravilhas para o tristemente desmoralizado exército de acionistas americanos.

 

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